Portugal - Carcavelos / Agrupamento de Escolas de Carcavelos - Jan 2018

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Há muito tempo que o Agrupamento de Escolas de Carcavelos me foi referenciado como um lugar muito especial, por apresentar metodologias de ensino alternativas ao ensino tradicional. O feito parece ser tanto mais extraordinário por ocorrer num equipamento público e não num colégio privado.

Deixei a curiosidade fazer a sua parte, até que resolvi ligar ao diretor, Professor Adelino Calado, que prontamente e com muita simpatia se disponibilizou a receber-me.

Cheguei a horas e entrei num edifício muito grande, que percebi ser constituído por vários módulos. Chamou-me de imediato a atenção o acesso. Ao contrário das restantes escolas que conheço, o portão estava aberto e não tive necessidade de tocar a uma campainha para entrar.

Apresentei-me na portaria e fui acompanhada ao andar superior, à sala de direção. No caminho, reparo em dois jovens que colam mensagens nas escadas e noutros pontos do corredor, incentivando ao rir e referindo os seus benefícios.

                                                                         O Professor Adelino Calado e eu

Sou recebida pelo Professor Adelino Calado, um senhor com um ar simpático e afável. Após uma breve apresentação, o meu interlocutor explica que esta “aventura” (leia-se, a mudança no tipo de ensino administrado) teve início em 2003, quando concorreu a diretor do Agrupamento de Escolas por um período de 10 anos. Algo incomum, já que o habitual é serem mandatos de 2 anos. 

No entanto o Professor Adelino tinha definido um objetivo, ainda hoje, muito ambicioso: mudar mentalidades.

Importa explicar que à data, o Agrupamento de Carcavelos, apesar de fazer parte do Concelho de Cascais, dava resposta a uma área em que a comunidade envolvente era considerada como mais desfavorecida economicamente, abrangendo o Bairro das Marianas e parte do Bairro da Lage. O ranking das escolas colocava-o numa posição altamente desfavorável e os alunos problemáticos de outros agrupamentos eram literalmente “chutados” para ali.

O Agrupamento tem hoje em dia cerca de 70 professores e 2000 alunos, do pré-escolar ao 12º ano. E como funciona? Quando professores novos chegam, são-lhes administrados 4 dias de formação, para que conheçam os projetos e a filosofia do agrupamento. Recebem também representantes da associação de estudantes e funcionários que falam sobre a sua perspetiva da escola.

O Professor refere como princípios base de funcionamento:

1- Relacionamento humano e pedagógico: há uma forte aposta na afetividade. Há uma especial preocupação em receber toda a gente, professores, auxiliares, alunos, famílias, etc.

“Sabe, nos primeiros 15 dias de aulas não há conteúdos. Namora-se!”, explica o diretor. Por outras palavras, há uma preocupação em que os professores estabeleçam vínculos de qualidade com os seus alunos. Aliás porque está provado que estes têm uma maior propensão em investir e a terem melhores resultados nas disciplinas lecionadas pelos docentes de quem mais gostam. Reforça que não têm um caso de indisciplina há 5 anos.

2- Tudo é negociado – escuta-se e conversa-se com vista ao alcance de uma plataforma de entendimento. 

O Agrupamento funciona com assembleias mensais de alunos e 4 assembleias por ano, com encarregados de educação. “É fundamental explicar o que se vai fazer e recolher feedback” – defende o diretor.

3- Paciência – nada se muda de um dia para o outro. É preciso saber negociar, ganhar confiança para que depois possa ocorrer a mudança.

O lema é: Máxima autonomia, máxima responsabilidade.

“As pessoas mais críticas tendem a percepcionar o questionamento dos alunos como má criação, como estando a falar em vez de estar a ouvir. O Professor aqui é visto mais como orientador do que como a figura detentora do conhecimento absoluto”. – diz, sorrindo.

Auditório onde se fazem assembleias

Não há toques de campainha ou livro de ponto, as mesas nas salas não têm que estar dispostas em xadrez e é incentivado o trabalho colaborativo. A avaliação processa-se de um modo distinto. Não é feita com base em exames.

“Os primeiros anos foram terríveis!” - confessa. Em 2004, a escola deixou de aplicar testes e tiveram grandes problemas com pais e alunos. O Agrupamento tinha cerca de 60% ou 70% de retenções e havia uma enorme preocupação com as notas.

Ao final de 3 anos sem exames, começaram a reconhecer os benefícios da mudança, quando os alunos se submeteram aos exames públicos e houve uma melhoria dos resultados. Ao fim de 10 anos, o Agrupamento de Escolas de Carcavelos tem os melhores resultados nacionais, até ao 9º ano, do ensino público!!

Fundamental, quanto a mim: incentivam-se e promovem-se projetos associados à solidariedade/bem comum, havendo parcerias com outras entidades como o Lar da Boa Vontade, o Centro Comunitário de Carcavelos (alunos do 12º ano a dar explicações), a Casa da Encosta (quotizam-se para pagar o leite para bebés) e Vicentinos (distribuição de alimentos).

E havia tanto mais para dizer da nossa conversa (sobre formatos de avaliação, apoio aos alunos com dificuldades de aprendizagem, programa escolar, etc.) e da visita que fiz pelas salas e espaços da escola, que infelizmente não cabe aqui.

Ainda assim, não posso deixar de referir a surpresa e prazer sentidos ao constatar o à vontade e a proximidade que os alunos manifestam quando comunicam com os professores, a forma simpática como os auxiliares de ação educativa intervêm e o carinho com que o diretor é recebido por todo o lado onde fomos passando, sem qualquer aura de intimidação.

English version

For a long time, the Carcavelos School Group has been referred to me as a very special place because it presents alternative teaching methodologies. The thing seems to be even more extraordinary because it occurs in public equipment and not in a private school.

I let curiosity do its part, until I decided to call the director, Professor Adelino Calado, who promptly made himself available to receive me.

                                                                                                     Messages about laugh

I arrived punctually and entered in a very large building, which I realized was made up of several modules. I was immediately struck by the access. Unlike other schools I know, the gate was open and I did not need to ring a doorbell to enter.

I showed up at the concierge and I was escorted to the upper floor, to the director's office. On my way there I notice two young people who were sticking messages on the stairs and other points in the corridor, encouraging people to laugh and mentioning its benefits.

Professor Adelino Calado, a gentle and friendly man, greeted me. After a brief presentation, my interlocutor explains that this "adventure" (the change in the type of teaching administered) began in 2003, when he ran for director of the School Group for a period of 10 years. Something unusual, since the mandates are usually of 2 years long. However Professor Adelino had set a goal, still very ambitious today: to change mentalities.

It is important to explain that at the time, the Carcavelos Group, although part of the Municipality of Cascais, responded to an area in which the surrounding community was considered to be the most economically disadvantaged, encompassing the neighbourhoods of Marianas and part of Lage. The schools rank placed him in a highly unfavourable position and troubled students from other groups were literally "kicked" there.

The Group currently has about 70 teachers and 2000 students, from preschool to 12th grade. And how does it work? When new teachers arrive, they are given four days of training, so they know the projects and philosophy of the grouping. They also receive representatives from the student association and staff who talk about their school's perspective.

The teacher refers as basic principles of functioning the following:

1- Human and pedagogical relationship: there is a strong bet on affectivity. There is a special concern to receive everyone, teachers, helpers, students, families, etc.

"You know, in the first 15 days of classes there is no content. It’s flirtation time!" -  explains the director. In other words, there is a concern that teachers establish quality bonds with their students. In fact, it is proven that they have a greater propensity to invest and to have better results in the disciplines taught by the teachers they like the most. The director reinforces that they have not had a case of indiscipline for 5 years.

2. Everything is negotiated - listening and talking with a view to reaching a platform of understanding.

The Group operates with monthly assemblies of students and 4 assemblies per year, with caregivers. "It is fundamental to explain what is going to be done and to collect feedback", defends the director.

3- Patience - nothing changes from one day to the next. It is necessary to know how to negotiate, to gain confidence so that the change can occur later.

The motto is: Maximum autonomy, maximum responsibility.

"The most critical people tend to perceive the questioning of students as bad manners, as being talking rather than listening. The Professor here is seen more as a mentor than as the figure holding absolute knowledge "- he says, smiling.

There are no bell rings or attendance records, the tables in the rooms do not have to be arranged in perfect rows and lines and collaborative work is encouraged. The evaluation takes place in a different way. It is not done based on exams.

"The first years were terrible!" He admits. In 2004, the school failed to apply tests and had major problems with parents and students. The Group had about 60% or 70% withholdings and there was a huge concern with the grades.

At the end of 3 years without exams, they began to recognize the benefits of change, when students underwent public examinations and improved outcomes. After 10 years, the Carcavelos School Group has the best national results, up to the 9th grade, in the public schools ranking!!!

                                                      Students working in a class

Fundamental, for me: projects are encouraged and promoted in solidarity/common-good for the community, with partnerships with other entities such as the Lar da Boa Vontade, the Community Center of Carcavelos (12th year students that are tutoring other students), Casa da Encosta (they are paid to pay for baby milk) and Vincentians (food distribution).

And there was so much more to say about our conversation (about assessment formats, support for students with learning difficulties, school program, etc.) and the visit I made to the classrooms and other common spaces of the school, which unfortunately does not fit here.

Still, I can not help myself from mention the surprise and pleasure I felt by seeing the willingness and closeness that students manifest when communicating with teachers, the sympathetic way in which the auxiliary of educational action intervene and the affection with which the director is received wherever we went, without any aura of intimidation (reviewed by Maria João Venâncio).